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29.10.06

50 faixas.... "that's hot" -- BANKSY vs DM vs PARIS HILTON (2006)

Londres, outra vez. Aparentemente anda meio mundo a tentar perceber quem se esconde por trás do alter ego Banksy. Trata-se de alguém que faz da arte urbana – leia-se qualquer coisa entre o grafitti, o stencil e a intervenção criativa pura e dura – a sua vida e que demonstra ter um discurso social (e político, inevitavelmente) coeso e consciencioso. Talvez o teor das mensagens que tenta passar não seja extraordinariamente profundo ou original – discurso anti-, infelizmente, é norma nos dias que correm – mas é sustentado, fluente e não se entrega à inércia nem a clichés ocos. Se o teor das suas mensagens não é propriamente original, o mesmo não se pode dizer da forma como o transmite. E a forma, neste caso, determina a diferença no meio de tanta indiferença.
Apesar de Banksy permanecer no anonimato, o seu trabalho está longe de ser um segredo bem guardado. A sua arte – de uma maneira ou de outra, apelativa – tem sido frequentemente abordada pela imprensa generalista, umas vezes sob a forma de acusações de vandalismo – ainda que talentoso – outras vezes para lhe gabarem a coragem e criatividade. Mais uma vez, a indiferença fica em casa. Para percebermos porquê, e antes de nos embrenharmos na aventura musical deste artista multifacetado – que também a tem – comecemos por passar em revista algumas das instalações/intervenções (?) mais emblemáticas de Banksy.

Uma das primeiras intervenções com a sua assinatura ocorreu no Zoo de Londres: “we’re bored of fish” escrito em letras garrafais sobre o tanque dos pinguins deve ter sido uma visão cómica. Anos mais tarde, Banksy provocou a inteligentzia cultural norte-americana acrescentado obras suas em sete museus de arte em Nova Iorque. Não desconsiderando os méritos intrusivos/evasivos de alguém que consegue iludir a segurança dos sete principais museus de NY em menos de 24 horas, importa que não deixemos de dar a devida atenção ao conteúdo da intervenção – que afinal, foi motivo suficiente para Bansky sentir que se devia expor a tal risco. As obras acrescentadas consistiam de uma pintura de uma lata de sopa de tomate – que aparentemente não destoou de muita outra arte moderna! – de algumas vacas-sagradas reinterpretadas sob o desígnio da cultura movida a latas de spray e de alguns animais embalsamados e armados pelo exército norte-americano. A carapuça está aí para quem a precisar de enfiar. O Museu Britânico, que também viria a ser vítima da arte de Banksy, optou por integrar um quadro subvertido na sua colecção.
No departamento das intervenções politizadas, Banksy conta com um currículo, no mínimo, impressionante. Viajou para o México para pintar uma série de murais dedicados à causa Zapatista; conseguiu retratar a esperança no muro que se ergue entre Israel e a Palestina (esperança essa que lhe valeu a participação involuntária num tiroteio e que confirmou a sua aptidão para trabalhar em serviços secretos); ocupou um armazém em Los Angeles, decorou-o como se de uma casa se tratasse e juntou ao conjunto um elefante (vivo) pintado com o mesmo padrão do papel de parede com que cobriu o armazém, numa clara alusão ao muito britânico e proverbial “please ignore the elephant in the room”. Se a tudo isto somarmos o facto de Banksy realizar algumas exposições “normais” – ainda que neste caso, “normal” implique coisas como ter dezenas de ratos numa galeria – e de já ter vendido quadros remisturados (tal como as músicas) por pequenas fortunas a gente como Kate Moss – acto que lhe valeu as inevitáveis acusações de “vendido” – começamos a ter noção do peso que este rapaz pode vir a ter na cultura pop deste século.


Resta pois explicar porque raio se está a falar deste valoroso artista num blog que até à data só se debruçou sobre música. Ora bem, há cerca de um mês atrás, Londres era o local escolhido para mais uma original intervenção de Banksy, desta vez acompanhado por um tal de dm. Por ocasião do lançamento do primeiro álbum de Paris Hilton – filha de uma cadeia de hotéis, rainha de (e do) papel, figura pública lançada pelo mediatismo de um par de vídeos porn caseiros que, por representar o antípoda social do vértice que Banksy faz por ocupar, dele se tornou um alvo irresistível – Bansky resolveu substituir cerca de 500 cópias do CD original por 500 versões revistas e melhoradas. E em que é que consistiam essas versões? Por um lado, num booklet reinterpretado aos olhos de Banksy, em que as fotos de Paris surgiam adulteradas e acompanhadas de declarações ácidas e sarcásticas sobre a fama. Por outro lado, o próprio CD contava com uma série de remisturas em vez do alinhamento original. Remisturas essas assinadas pelo tal dm que, a seu tempo, resolveu revelar a sua verdadeira identidade: danger mouse.
É muito mais que uma coincidência feliz que tenha sido Danger Mouse a remisturar os temas. Afinal, estamos a discorrer sobre dois artistas que na sua esfera criativa operam de maneira muito semelhante. Os quadros subvertidos de Banksy não ficam a dever em nada ao amplo legado de mash-ups que lançou danger mouse – a popularidade apareceu depois da “edição” do seu Grey Álbum que misturava com mestria o Black Album de Jay-z com o White Album dos Beatles, fazendo crer que os dois álbuns tinham sido separados à nascença apesar de desfasados no lançamento em quase quatro décadas. Ninguém diria que dois anos depois – the Grey Álbum começou a circular em 2004 – danger mouse seria responsável, entre muita outra coisa, pela produção de um álbum de gorillaz e pelo single deste Verão – crazy, gnarls barkley, goste-se ou não se goste. O atestado de genialidade começa a ganhar contornos bem reais por via da diversificação dos talentos de produção quando o mesmo dm volta a surpreender no último álbum de sparklehorse – banda excelsa do circuito indie, que se associa ao hip hop com a mesma facilidade com que se associa a floribella ao free jazz.
É da junção de esforços destas duas personagens de trajectos sinuosos e inspiradores que surge este belíssimo manifesto, cujo principal mérito é demonstrar que, cada vez mais, urge fazer diferente. Sem querer entrar num despropositado registo de reflexão sobre o papel social e a eficácia intervencionista da arte , parece-me perfeitamente ridículo não reconhecer mérito nestes dois pequenos génios criativos – que o mundo trata de catalogar como “menores” – e que se apoderam, literal e abertamente, de tudo o que o seu “meio” lhes tem para oferecer para lhe retribuírem com transformação. Pegam no igual para fazer o original, pegam no passado e, sem querer, lá estão eles a desenhar (respectivamente, sem e com aspas) o futuro. Numa altura em que as majors se andam a acotovelar para tentarem escapar a um destino certo e determinado por três caracteres – mp3 – em que a imagem se sobrepõe sobejas vezes à música – nada de novo, mas nem por isso menos revoltante – é bom saber que um ou dois génios criativos continuam a ser suficientes para, com vontade, superarem toda e qualquer campanha de marketing. O crime, quando é assim, compensa.

4.10.06

51 faixas…. “new song” – NOMO – new tones (2006)

O afrobeat enquanto género musical, alicerçado em elaborada polirritmia de ascendência africana, metais em ponto de fusão e palavras de instigação, é um estilo que clama desesperadamente para ser reinterpretado e revisto. Apesar de ter tudo para o ser, na maior parte dos casos é apenas revisitado ou regurgitado segundo a mesmíssima fórmula que o viu nascer e inflamar Lagos há algumas décadas atrás. Não que isso seja necessariamente mau – que o digam os felizardos que assistiram este ano à explosiva e memorável reincarnação de Fela Kuti em Sines – mas a abordagem preguiçosa à fórmula vencedora da herança deste ícone incontornável nunca será fiel ao afrobeat, uma vez que falha na sua premissa mais pura e fundamental: a insurreição.



Até à data têm sido os agentes da música electrónica (dançável ou não) e do hip hop os principais responsáveis pela tentativa de recuperação e revitalização deste legado. Se por vezes a coisa até corre bem e se atingem resultados interessantes, a verdade é que na larga maioria dos casos o afrobeat é tratado como conversa de elevador, linha cosmética de segunda categoria que agrada ao primeiro contacto (?) e enjoa ao segundo.

A música do colectivo de jazz dançável nomo vence precisamente por contrariar essa tendência, ainda que displicentemente, de todas as formas e feitios. Nomo cultiva o espírito intervencionista – o rastilho para new tones é a política externa do governo Bush (amarga e prolífica, esta Era) – e, apesar de ser uma formação verdadeiramente clássica no que a afrobeat diz respeito, consegue afirmar-se positivamente pela sua – queixo no chão – originalidade.



As composições nomo são de uma densidade inacreditável. Tudo é cor e calor na secção de metais, nas linhas de baixo pouco menos que ilícitas e na guitarra arrastada e encantatória. Mas, bem vistas as coisas, não seriam esses os trunfos deste estilo na sua década de ouro? Presumivelmente. Acontece que os nomo fazem da malha afrobeat o seu ponto de partida, mas saltam rapidamente para loops de teclados devedores de soul vintage, para flautas e percussões importadas de irresistíveis exercícios funk, para uma serralharia que só eles conhecem – sim, também gostam de inventar instrumentos – para os likembé electrificados dos konono, para o desvairo apaixonado do free jazz de Albert Ayler circa Ghosts. Em suma, um conjunto de referências – entre muitas outras – que estaria certamente destinado ao naufrágio se não fosse capitaneado por alguém incrivelmente talentoso na arte da composição: Elliott Bergman.



É este o refrescante compositor que cita M.I.A., que pede uma faixa emprestada à harpista desalinhada que dá pelo nome de Joanna Newsom, que pega em mil-e-um instrumentos para levar ao delírio audiências um pouco por todo o mundo com a sua visão absolutamente redentora – quase religiosa, gospeliana – da cumplicidade musical. É cada vez mais raro encontrar música assim: sem filtros, crua ao toque e ainda assim celebrativa. Começou por ser banda-sonora de Verão, continua a imperar no Outono. Não é preciso muito para perceber que vai suportar lindamente o Inverno e tudo o resto.

nomo :: NEW SONG