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11.7.06

53 faixas.... "black flowers" -- YO LA TENGO -- I'm not Afraid of You and I'll Beat Your Ass (2006)

Os yo la tengo nasceram para errar. Como todos concordarão, começaram por falhar no nome que escolheram para a banda, aparentemente inspirado num episódio anedótico do mundo do basebol – escolha basicamente desinteressante para o chauvinista europeu médio, que acaba por ser parte substancial do público-alvo para esta gente. Insatisfeitos com os estragos provocados pela escolha do nome, não tiveram pejo algum em escolher a pior arte gráfica de sempre para servir de capa a alguns álbuns e EPs de início de carreira. Fossem estes os únicos desvios comportamentais da banda e tudo seria simples e saudável. No entanto, em tempo de emergência electrónica e de decadência das seis cordas, os yo la tengo resolveram investir forte na distorção. Num contra-golpe genial, aproveitaram a recente onda de revivalismo rock para se deixarem dessas coisas e se dedicarem ao silêncio e a paisagens sonoras mais ou menos etéreas/aquáticas, ainda que isso não os tenha feito vender as guitarras nem nada do género. Espreme-se o parágrafo e chegamos à conclusão que os yo la tengo são uma troupe de visionários. Conclusão essa amplamente suportada pela audição em reverse (e de pernas para o ar, só para não haver engano) da faixa “Losing my Edge” dos LCDsoudsystem, em que se torna possível ouvir, num português exemplar e de dicção invejável, “Estes tipos nunca estiveram lá”.

O carácter de extemporaneidade dos YLT não deve surpreender quem os conhece como banda pouco menos que jurássica que é – já levam uns bons 22 aninhos nas palhetas. Convenhamos que estamos a falar da banda mais disfuncional do planeta, que comporta na sua formação um casal de amáveis trogloditas e um baixista anafadinho com uma paixão por all-things-motownic. Cultivam um sentido de pertença e de família que transparece em tudo o que gravam, fazem da dissonância um assunto tão religioso quanto a missa ao domingo e dão tudo o que têm nos momentos mais comoventemente desalinhados.

Nos ylt TODOS cantam. TODOS. Compreenda-se que não estamos propriamente no domínio das divas vh1 ou das deusas do jazz vocal, e que aqui não importa rendilhar uma vocalização a cada segundo de fita. Importa sobretudo sentir a contenção (desafinada) no discurso de Ira, a displicência irresistível da voz/sussurro de Georgia e o quase-falsete movido a alma e louca entrega que é cada contribuição de James. Na música, como na cena viva e fodida que é a vida, é fácil pensar que já se conhece quase tudo. Puro engano. Falta sempre conhecer muito, falta sempre demais. E é por faltar sempre demais que importa que nos deixe de faltar este bocadinho tão importante chamado yo la tengo.

2006 vai ser ano para mais um álbum deles, o que equivale a dizer que vai ser um ano vintage para a música. A referida tendência autofágica da banda conhece novos desenvolvimentos na escolha do nome para o álbum: “I’m not afraid of you and I’ll beat your ass.” Serve portanto este post única e exclusivamente para declarar aquilo que já todos devíamos saber: tudo vai de bem a melhor neste Reino; a inspiração nunca saiu daqui.

A nota dominante continua a ser um salutar desequilíbrio estilístico das produções – a marca yo la tengo não deixa de estar em todas as faixas – que vão desde o choro de baleias até à segunda percussão mais irresistível do mundo, passando ainda e sempre pela parede de distorção e pelos coros oh-deixa-me-cantar-contigo convenientemente mergulhados em calda de sonhos. Reconheça-se que este álbum seria um greatest hits perfeito para a banda, não fosse o facto de ser exclusivamente constituído por inéditos – cada faixa feita fiel representante de uma das facetas da banda – e de os yo la tengo não terem particular propensão para essa coisa dos êxitos. O que não os impede – EM NADA – de terem particular propensão para essa coisa das canções grandes e aninháveis (não é adjectivo, mas enfim).

Em 2000 os yo la tengo tocaram no festival de Paredes de Coura antes de uns tais de bad religion. Gramaram com assobiadelas de um público hormonalmente baralhado que se achava insatisfeito por até então não conceber a existência de música com mais (nem menos) que três acordes – ok, que se dava mal com algumas composições menos imediatas do trio – e sedento de acção no mosh pit. À provocação, Ira respondeu com a coisa mais próxima dos 4’33 de silêncio compostos por John Cage que os yo la tengo alguma vez gravaram (próxima no tom, distante na duração) e deram todo um novo sentido ao título do álbum que os Kings of Convenience viriam a lançar um ano mais tarde – quiet is the new loud. Por isso, e porque a consciência me obriga a sentir especial compaixão por aqueles fãs de bad religion e outros que tais, não queria deixar de espalhar a mensagem: a família YLT está de volta e trouxe os OVNI’s do costume. Fujam!


YO LA TENGO "BLACK FLOWERS"