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23.12.05

nem 1a djinga...

Para colmatar uma carência relativamente acentuada de groove que impera aqui no nem1nome (apesar da recente referência ao legado Kuti), e fazendo apropriado uso do espírito natalício, fica a partir de hoje disponível uma pequena prenda para todas as pessoas que ao longo dos últimos tempos passaram a incluir esta morada nas suas preferências cibernautas. Não será propriamente uma colecção de clássicos de época -- o nariz da rena rudolfo não é para aqui chamado -- mas representa bem aquilo que podia e devia ser o Natal:

Um mundo, uma djinga


Alinhamento:

1. Ramsey Lewis Trio "Wade in the Water"

2. Ry Cooder "Chinito Chinito"

3. Liberation Group "Namibia"

4. Lee Perry "Ganja Mode"

5. James Carter "Summer Babe" (Pavement cover)

5.12.05

70+71+72 Faixas.... "shuffering + shmiling" -- KUTI LEGACY

Femi Kuti, responsável por um dos concertos mais pujantes da edição de 2004 do Festival de Músicas do Mundo de Sines, é hoje em dia o rosto do afrobeat. Por mérito, por apelido, por circunstancialismo, por o que quer que seja. Femi carrega consigo o mesmo fardo que, por exemplo, Jakob Dylan ou Damian Marley: é filho de uma referência, de uma figura absoluta. Todos eles vivem na sombra de quem os concebeu. Há, no entanto, uma diferença significativa entre Femi Kuti e estes outros dois descendentes de mitos do mundo da música: Femi recebeu o testemunho directamente da mão do pai.


Depois de ter agitado a noite londrina com a sua banda Koola Lobitos enquanto frequentava uma escola de música local, e de ter contactado com o movimento Black Panthers – e com o jazz – nos EUA durante o efervescente ano de 1969, Fela Kuti regressou à sua Nigéria natal com intenções bem definidas relativamente às políticas corruptas e socialmente desastrosas que dominavam o seu país. Não basta falar em carisma para descrever a persona Fela Kuti, e é por demais redutor falar em legado para resumir tudo aquilo que Fela fez – musica, social, e politicamente – ao longo das décadas de ’70, ’80 e ’90. Porquê? Porque não é fácil encaixar a grandeza, excentricidade e multiplicidade de feitos deste génio musical num punhado de palavras. É que boa parte da vida de Fela parece arrancada de uma doutrina de insurreição: o denominador comum a tudo aquilo que Fela fez é o radicalismo.



Insatisfeito com a instabilidade política do seu país, e decorrente miséria social, Fela desenvolveu ao longo da década de 70 a sua visão musical: o Afrobeat, um fiel retrato de tudo aquilo que Fela fez e quis fazer pelo continente Africano. Uma mescla de ritmos africanos, big bands de jazz, funk, metais, uma figura de estilo pródiga em mensagens e palavras de intervenção. Música declaradamente panfletária que crescia a cada semana num clube nocturno – “The Shrine” – de Lagos, e que tinha a sua sede na propriedade comunal desenvolvida por Fela – Kalakuta Republic. Fela declarou a independência deste espaço comunitário, onde se encontrava o estúdio em que gravava e onde vivia com a sua extensíssima família (as suas 28 esposas, das quais mais tarde se viria a divorciar por achar que uma mulher não deveria ser propriedade de ninguém). A aceitação massiva do Afrobeat na Nigéria, e as prestações frenéticas de Fela Kuti nos concertos semanais do Shrine – Fela alternava entre o sax, o teclado, a voz e doses consideráveis de erva – deram a Fela uma credibilidade popular nos bairros de lata de Lagos que mais tarde se revelaria essencial.

Fela Kuti "water no get enemy"


Em 1977, o regime militar moveu um ataque de cerca de 1000 soldados sobre Kalakuta, com consequências devastadoras: a propriedade foi incendiada, Fela ficou seriamente ferido, e a sua mãe foi assassinada, tendo sido atirada na sua cadeira de rodas a partir do primeiro andar do edifício central de Kalakuta. A posição de Fela não saiu de forma alguma enfraquecida. Ainda na ressaca desta tragédia, Fela organizou uma marcha pelas ruas de Lagos. Objectivo: entregar o caixão com o corpo da sua mãe ao chefe de estado que ordenou o ataque.

Os conflitos continuaram e durante a década de ’80 o governo acabaria por encontrar matéria legal suficiente para condenar Fela Kuti a 10 anos de prisão. O apoio do povo nigeriano e a acção diplomática da Amnistia Internacional acabariam por dar frutos, encurtando a reclusão de Fela em oito anos. Fela voltou ao mundo com vontade redobrada de reafirmar a revolução afrobeat, e foi assim que foi continuando o seu trabalho, reflectindo cada vez mais o seu desagrado face às políticas internas e às políticas dos países ocidentais e ex-colonialistas em África. Fela acabaria por morrer em 1997, vítima de SIDA e de ferimentos contraídos num ataque militar.

Femi Kuti "walk on the right side"


No entanto, a visão deste homem já o tinha suplantado, e durante os anos em que esteve preso, Femi Kuti assumiu o comando da big band do pai. Talvez tenha sido esta convivência próxima com a dura realidade da vida de Fela que tenha feito Femi optar por uma abordagem menos racista, sexista, e extravagante dos problemas que ainda hoje afligem África. Essa postura menos radical reflecte-se numa sonoridade que bebe influência numa maior panóplia de estilos musicais e cuja mensagem, apesar de mais sóbria, continua a ser eminentemente política. Femi atestou em conjunto com a associação red+hot, o peso e influência que o afrobeat tem na cena musical dos dias que correm, gravando uma compilação de versões de temas de Fela Kuti em conjunto com artistas das mais distintas esferas musicais.

Dead Prez + Jorge Ben Jor + Talib Kweli + Bilal & Positive Force "shuffering and shmiling"

O que lhe falta em excentricidade e mediatismo, sobra-lhe em acção: Femi Kuti continua a dar concertos semanais em Lagos, Nigéria, e prepara terreno para a entrada em cena de Seun Kuti, o filho mais novo de Fela. Apesar de ainda não ter qualquer registo gravado, os títulos das faixas compostas por Seun e interpretadas no Shrine, com a banda do pai, prometem: "Chop and clean mouth like nothing happen", "Country clear road for jaga jaga"," Condom staligwagy and scatter", "Country of pain", "Government of crooks", Movement Against Second Slavery".

África até podia estar em boas mãos.