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14.4.06

64 + 63 + 62 Faixas.... "sunshowers" - M.I.A. - Arular 2005 + "nós e vocês" - CONJUNTO NGONGUENHA - Ngonguenhação 2004 + "motivação" - SAM THE KID

É bom viver momentos destes: uma cena cultural fervilhante e despretensiosa, cheia de sonoridades que são barómetro vivo e sincero do mundo em que vivemos. A globalização está aí, para o bem e para o mal, e a música dos nossos tempos a isso não é imune. Os exemplos são muitos e vêm de todos os lados e, desta vez, nem o nosso recôndito Portugal se escapou. Forçando um bocado a barra, trata-se de enfiar num único saco três projectos cujos pontos de contacto musicais não são os mais óbvios, mas que partilham entre si uma tensão e vontade de intervenção urbana autêntica. E a autenticidade é o nosso mel.


LONDRES :: M.I.A. é a primeira mulher a aparecer no nem1nome, e é precisamente assim que M.I.A. se sente bem: a abrir caminho. A música desta dotada cantora/produtora/MC/artista/activista natural do Sri-Lanka é uma das melhores celebrações e – ironicamente – contestações feitas à globalidade. M.I.A integra uma segunda geração de emigrantes residentes em Londres – cidade-refogado por excelência no que a nacionalidades diz respeito – e é sobre essa sua condição que gosta de escrever. Aparentemente, esta refugiada acredita que os filhos da emigração vão ser responsáveis por uma gigantesca revolução cultural no mundo ocidental. Os sinais andam por aí para quem os quiser ver. A sua música remete para três dimensões fundamentais: guerrilha – o seu pai e irmão continuam a viver para a guerra civil do Sri-Lanka: de armas em riste pelo grupo rebelde Tamil Tigers – emigração/guetos urbanos – a tirania do novo mundo global, mas sobretudo a tirania de não poder deixar de ser simultaneamente produto e produtor desse mesmo mundo – e celebração. Os instrumentais são epicamente festivos e impossíveis de referenciar – andam algures entre kizomba, hip hop, grime, space invaders, dancehall e caril… muito caril – e as letras deliciosas na sua parcial – aqui não há grande espaço para o politicamente correcto – forma de ver o mundo. Algures, no piso de cima de um double-decker, para lá da zona 3 do tube, e bem longe do olhar do big ben, há um mundo novo. Talvez ninguém o eleja como casa, mas é a casa de todos. E, felizmente para nós, M.I.A. convidou-nos a entrar. Façamos-lhe a vontade.

M.I.A :: SUNSHOWERS


LUANDA :: O Conjunto Ngonguenha é um grupo de 4 MC’s de hip hop que gravou, por volta de 2004, a Ngonguenhação, com o objectivo único de rimar sobre a vida em Luanda, Angola. Trata-se de um álbum deliciosamente descritivo, que empresta a uma restrita parte do legado da música angolana as batidas que compõe a identidade sonora do hip hop. Esta opção estética, só por si, já seria bem mais do que suficiente para garantir o valor e mérito deste projecto, mas a verdade é que existem muitos outros pontos de interesse a destacar. A ngonguenhação é um exercício sério (por vias de ser inconsciente) de reflexão sobre a identidade cultural de Angola, e a contribuição brutal que os PALOPs (e, há que reconhecer, o Brasil) têm dado no sentido de moldar e extravasar a nossa língua. Porquê? Talvez seja dum saudável desrespeito por convenções gramaticais exemplarmente restritivas, talvez seja simplesmente por serem povos que não se inibem de reinterpretar o português, talvez seja por saberem que nem sempre o formalismo se dá bem com a palavra falada. E é bom que alguém meça bem as mensagens, as palavras, porque por cá a nossa língua cantada parece incapaz de sair de um atordoamento aflitivo. É precisamente esse o maior mérito do Conjunto: Pensa, mede, e articula o português – sugere ocasionalmente o crioulo – ao mesmo tempo que analisa o exílio em massa rumo ao sonho europeu que fere o país e o conflito geracional que se estabeleceu entre aqueles que foram vencidos pela inércia do pós-guerra e uma juventude que tenta reagir à miséria. Autêntico, comoventemente autêntico. Para acabar, há que explicar a origem do nome deste colectivo: a Ngonguenha é uma pasta (farinha de mandioca torrada + açúcar + água) feita bebida popular naquele canto de África, apesar da combinação destes ingredientes não parecer particularmente promissora. Talvez por isso, o conjunto sugere bastas vezes que troquemos a água por “uma boa dose de whisky cota”… Se as sugestões forem tão boas quanto as descrições, podemos começar a encher o copo.

“Só se pode exigir dos outros aquilo que já se deu, não foi com o que vocês deram que a minha geração cresceu; Porque eu não falo a minha língua, e tenho um nome em Português; Não tive, e já não espero nada de vocês”

CONJUNTO NGONGUENHA :: NÓS E VOCÊS


LISBOA :: Por cá também temos quem dê os necessários pontapés na gramática em prol da crueza e realismo da música. Também temos quem, a partir do hip hop, tenha construído uma sonoridade que mede o pulsar de uma cidade – neste caso a grande Lisboa – sem vergonha de assumir a realidade e os problemas que a fazem andar (?). A figura de proa do movimento hip hop nacional (um movimento alta e felizmente promíscuo), não só pelas faixas que produz em nome próprio como também pelas que produz para terceiros, é o Samuel.

Responde pelo nome de Sam the Kid e já foi responsável por uma mão cheia de sons justamente popularizados. É um orgulhoso habitante de Chelas, cultor do underground, que amiúde surge nas playlists nacionais com hinos instrumentais com mais inspiração numa única faixa do que em todos os álbuns lançados pela vaga de projectos sensaborões que vão enchendo os ouvidos da nossa praça pública – o que quer que isso seja. Quem não conhece o seu viva! (homenagem a Carlos Paredes) não suspeita do sentido que o fado continua a fazer para as gerações mais novas, e quem não conhece os seus álbuns passa ao lado dos melhores frescos alfacinhas do novo milénio. Com um flow cada vez mais solto, e com batidas certeiras e indispensáveis, o quarto trabalho (depois de entretanto, sobretudo e beats vol 1 - amor) é aguardado com grande ansiedade – até pelos sucessivos adiamentos que têm vindo a deitar achas para uma gigantesca fogueira – e, a julgar pelas colaborações mais recentes, este prepara-se para ser mais um álbum charneira da música portuguesa com o selo distinto das movimentações hip hop. Patriotismos bacocos aparte, esta é a primeira vez que tenho algo para responder quando me perguntam por referências musicais contemporâneas do meu país. Quem não conhece, ainda vai a tempo.

SAM THE KID & DADDY O-POP "MOTIVAÇÃO"

[nota :: o blog nem1nome conhece, de quando a quando, uma ou outra reinterpretação no que à linha gráfica diz respeito. O responsável criativo (e executivo!) pelo trabalho gráfico é o meu amigo Rui, que mais uma vez me encheu as medidas com duas propostas que a partir de hoje vão servir como conjunto decorativo deste tasco. O nem1nome agradece, e os olhos de quem por aqui passa também.]