69 Faixas.... "spirits" -- ALBERT AYLER -- Lörrach, Paris 1966 (1966)
Albert Ayler é uma das figuras maiores da história do free jazz. Esta introdução seria mais do que suficiente para me afastar de muita e boa referência musical sem sequer pestanejar. Não consigo deixar de dissociar um certo sentido de inconsequência de algumas concepções ou visões

Voltando ao início: Albert Ayler é uma das figuras maiores da história do free jazz, saxofonista de percurso errático e mal calculado cuja obra só conheceu verdadeira aceitação depois da sua morte. Desenvolveu uma sonoridade de marca que aliava a espiritualidade das marchas de new orleans ao aparente caos das suas composições. O resultado final era, no entanto, impecavelmente lúcido. Caleidoscópio estapafúrdio, objecto simultaneamente capaz de maravilhar e repelir, que se sente espinhoso à superfície mas apelativo e contagiante no âmago.
No meio da confusão das composições de Ayler há, sem sombra de dúvida, um apelo verdadeiramente íntimo e caloroso. Por entre os vários trechos que compõem estas cacofonias revela-se uma lógica que, de tão pessoal que é, se estatela precisa e recorrentemente no mesmo

Existirá porventura um melhor adjectivo do que free para descrever o jazz de Ayler: jazz aberto. Aberto porque, como a vida deste compositor e intérprete, este é um som que se presta a múltiplas e até contraditórias interpretações, um som feito à medida de quem o souber ouvir. No final da sua carreira Ayler tentou suavizar as suas composições – o que lhe terá valido o desprezo de quem até essa altura prezava o seu espírito aventureiro e a indiferença de quem se tinha habituado a ver nele uma figura maldita do jazz – sem que com isso alcançasse maior volume de vendas ou reconhecimento generalizado. Não demorou muito para que o seu corpo fosse encontrado a flutuar no East River de Nova Iorque, em circunstâncias ainda hoje mal definidas (a verdade andará algures entre um acidente improvável e um assassinato conjurado pelo FBI como forma de controlar a acção do grupo Black Panthers). A sepultura de Ayler indica que este faleceu no Vietname: sublime e irónica maneira de assumir a realidade sem precisar de a esfregar na cara de ninguém… Precisamente aquilo que Ayler se havia dedicado a fazer ao longo de toda a sua vida.
ALBERT AYLER "SPIRITS"