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31.5.06

58 + 57 faixas.... "stop!" + "time" -- J DILLA aka JAY DEE -- Donuts (2006)

A memória e as recordações são um património preservado nos mais diferentes formatos. Há quem se reveja em recortes de jornais; há quem tente viver experiências uma segunda (e terceira, e quarta…) vez ao reler passagens de um diário, há inclusivamente quem se deleite a construir caixas de recordações onde tanto cabem bilhetes de barco (interilhas, y’all!) como folhas de azinheira alentejana. São opções…

Há, no entanto, quem prefira usar a memória auditiva em detrimento de todas estas e muitas outras formas. O que equivale a dizer que há quem faça do seu espólio musical – não na perspectiva de composição, mas sim de vivência – o barómetro das suas experiências e sensações, e da vida a sua mixtape. Não é que a memória musical sofra de um qualquer síndrome de mútua exclusividade em relação a todas as outras formas de identidade, mas a verdade é que há músicas que, mais do que suportarem o teste do tempo, o vencem categoricamente.

Convenhamos que, até para o mais dotado dos compositores, este espólio geralmente é constituído por obras de terceiros. Fragmentos de músicas que, inexplicavelmente, se nos colam à pele; trechos de letras que, por um acaso sinistro, parecem ter sido resgatadas da ponta da nossa própria língua; sons que, aos poucos, pilhamos à memória colectiva ao ponto de os considerarmos só nossos.

Confiando no poder da revisitação musical, J Dilla – aka Jay Dee – fez-se valer da sua imensa colecção de referências – arquivadas em finas rodelas vinílicas – para construir aquele que será, na menos optimista das hipóteses, o SEU álbum de audiogramas. A hipótese mais optimista e, curiosamente, realista, aponta para uma obra maior dum pequeno e genial artesão musical. Mas a genialidade já conheceu melhores dias e essa conversa já não convence muita gente. Há que tentar outros argumentos.

Jay Dee, reputado arquitecto dos beats e figura fundamental (apesar de discreta) do hip hop norte-americano, abriu o livro das recordações, agarrou-se aos discos da sua vida e emprestou-lhes a sua visão de produtor. Cada uma das 31 faixas que compõem este álbum acaba por ser uma pequena viagem no tempo; como se, de repente, a Motown fosse outra vez a editora mais importante do mundo.

Seja ou não a Motown a editora mais citada neste álbum (não o é) o que parece indiscutível é que a paixão da vida de Dilla – para além do hip hop – sempre foi a soul, conclusão que encaixa particularmente bem no sentido em que este álbum é sem a mais pálida sombra de dúvida, um colosso de alma. Dadas as circunstâncias e o produtor em questão, nunca poderia ser doutra forma.

Dilla faleceu poucos dias depois da edição de Donuts, vítima de doença prolongada – uma boa parte dos temas foi, inclusivamente, produzido na cama do hospital. Sabendo do pouco tempo que lhe restava, Dilla optou por gravar uma pujante homenagem a essa massa volátil e altamente apaixonante que é a soul e fez um disco para si que é, como toda a boa soul, um disco para todos.

Como é comum nestes casos, a comunidade musical apressou-se a tentar detectar e interpretar todo e qualquer presumível sinal deixado por Dilla neste seu último registo, construindo uma daquelas emaranhadas teias conspiratórias que raras vezes produzem resultados. Está visto que esse esforço de pouco ou nada irá servir. É que, às portas da morte, Dilla foi igual a si próprio: simples. Não há melhor exemplo disso do que o nome que escolheu para o seu último álbum: Donuts. Esqueçam as metáforas rebuscadas, as alegorias subjacentes ou as narrativas dissimuladas. J Dilla adorava donuts… e isso chega.


J DILLA aka JAY DEE "stop!" ; "time: the donuts of the heart"



PS :: um grande, grande, graaaaande obrigado à artista residente pelas inspiradas ilustrações! Mais se seguirão.

2 Comments:

Blogger manel cruz said...

Olhe caro amigo, camarada, palhaço, tudo o que lhe poderia dizer, vou ter que lho dizer pessoalmente (ou até já lho disse) para não ferir susceptibilidades terceiras, como tal... e sem mais delongas de momento...

10:25 da tarde  
Blogger andrzej said...

MCz... punk'alhada na 6ª feira? Puto Zé a puxar fogo? Grindcore? Mosh pit?

3:21 da manhã  

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